ColunistaRaphael Teixeira

O Fracasso Marxista

Nota introdutória: O libelo abaixo é um dos mais fortes, se não for o mais forte, já desferido contra esse arremedo de fé secularizada, travestido de teoria econômica e/ou “filosofia libertadora” (dos pobres, operários, marginalizados e excluídos da sociedade) que é o marxismo. Nesse ensaio, expõe-se de forma brilhante e irretocável as vísceras da falácia marxista – sob a análise e escrutínio implacáveis da História, da Sociologia, da Filosofia e da Economia. Desta forma, torna-se um dado inquestionável o fracasso do marxismo – em todas as suas vertentes, promessas e rótulos pomposos – em todos os países e regiões do mundo em que veio a se instalar. Por que não acrescentar, também, entre os instrumentos teóricos utilizados na construção das reflexões que se seguem, as Ciências da Religião – uma vez que, tal qual o espiritismo, o marxismo se apega a algumas corretas premissas científicas, como craca em navio afundado, e, no entanto, instila em seus fiéis “sacerdotes”, nos adeptos e fanáticos propagadores, o vírus contagiante da mais sórdida, insana e pseudo-religiosidade?

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O marxismo, em certo período, assemelhou-se ao calvinismo da industrialização competitiva e coletiva: a fé austera mas persistente que guiaria as populações através do deserto, por meio de árduos esforços e sacrifícios que só seriam recompensados muito mais tarde. Também se assemelhava a um modelo alternativo que oferecia mais justiça em troca de menos liberdade.

O marxismo foi o primeiro sistema de fé formalmente secular a tornar-se uma religião mundial e uma ideologia de Estado para certos governos, alguns de grande importância (a China) e um deles um superpoder (a União Soviética). Por longo tempo, o marxismo constituiu uma alternativa para o liberalismo.

De modo geral, as sociedades humanas mantêm a ordem através da coerção e da superstição. Antes do milagre da Sociedade Civil, as sociedades humanas viviam habitualmente sob sistemas coercivos e supersticiosos. Então, surpreendentemente, nações de comerciantes, como os holandeses e os ingleses, organizados em formas de governo relativamente liberais, derrotaram repetidamente nações dominadas por aristocracias marciais e suntuárias.

Graças ao Iluminismo, o medo e a falsidade foram substituídos pelo consentimento e pela verdade. Mas, a tentativa, em 1789, de implementar as ideias iluministas não conduziu a uma ordem racional e consensual sobre a Terra. Levou primeiramente ao Terror e depois à ditadura de Napoleão. A explicação de tal fracasso é que a sociedade humana não se presta à simples aplicação de modelos pré-fabricados pelo pensamento puro. Isso é utopia. A estrutura social tem suas razões, sobre as quais a mente nada sabe.

O marxismo foi, talvez, a mais elaborada, sistemática e bem orquestrada de todas as tentativas de interpretar a Revolução Francesa e tirar lições dela. Certamente, mostrou-se como a mais influente. A nova visão atraía a todos os que detestavam a crueldade, a desigualdade e a desumanidade da nova ordem (a capitalista). Essa doutrina tinha um apelo muito especial nas regiões mais atrasadas do mundo, incluindo partes da Europa.

Assim, olhando retrospectivamente, é tentador dizer que o marxismo era feito sob medida para o espírito russo. Capacitava-o a superar sua tensão obsessiva entre tendências ocidentalizantes e seus anseios místicos, messiânicos e populistas. Por outro lado, o marxismo pretendia ser científico, sendo aplicável ao homem e à sociedade. Dentro dos limites de uma única visão, podia-se satisfazer a aspiração messiânica por um mundo inteiramente incorruptível, uma sociedade harmônica, um homem contente consigo mesmo, e um desejo de alcançar o nível científico do Ocidente.

O sistema terminou em uma falência melancólica, principalmente porque, afinal, simplesmente não pôde competir técnica e economicamente com o Ocidente liberal, e perdeu as corridas armamentista e consumista. Diante da inquestionável derrota no grande desafio que foi a Guerra Fria, os líderes da primeira ideocracia secular do mundo decidiram-se pela abertura, e logo descobriram que, quisessem ou não (alguns queriam, outros não tinham certeza), não havia como deter ou limitar o processo sem usar métodos mais drásticos do que os que estavam dispostos a usar.

Em 1991, nos estertores do Império Bolchevique, praticamente ninguém teve suficiente zelo ou lealdade para lutar pela ordem e pela própria fé. Com uma impressionante e terrível velocidade, a velha nomenklatura se transformou em capitalistas chauvinistas ou oportunistas. Nunca um navio naufragante foi abandonado com mais regozijo e unanimidade, nunca uma experiência foi condenada mais conclusivamente. Quando a liberalização chegou, e a adesão de fachada à fé deixou de ser obrigatória, houve um surpreendente e quase universal abandono da ideologia e uma desdenhosa indiferença em relação a ela.

O marxismo foi abandonado sem nenhuma clara alternativa à vista. As pessoas preferiam o vácuo ao velho credo. Voltaram-se pra o zastoi do liberalismo. Por que, na primeira religião secular estabelecida do mundo, faltariam tão evidentemente a tenacidade, a capacidade de prosperar na adversidade, dos seus predecessores transcendentais? O que deu errado?

Uma parte da explicação reside no coletivismo total e intransigente da versão marxista da salvação. O marxismo realmente promete a salvação total, mas não para os indivíduos, só para a totalidade da humanidade. Não tem praticamente nada a dizer a um indivíduo que sofra de angústia pessoal ou de alguma crise existencial, exceto, talvez, no máximo, estimulá-lo a abraçar a luta revolucionária em prol da humanidade.

A grande fraqueza do marxismo provavelmente não é tanto a sua eliminação formal do transcendente da religião, mas a supersacralização do imanente. Spinosa ensinara que o mundo era uma unidade indivisível imprimida pelo divino, que o permeava simetricamente. Hegel acrescentara movimento histórico a essa visão, e o marxismo nasceu dessa fusão de ideias.

O homem comum não suporta uma perpétua intoxicação com o sagrado, e prefere a comodidade do profano. Talvez tenha sido a ausência do profano que tornou tão fraco o contato do marxismo com o coração humano, que afinal o aniquilou. Dizem que a sociedade não pode viver sem o sagrado: talvez ela precise pelo menos igualmente do profano.

Sacralizando tudo na vida social, principalmente o trabalho e a esfera econômica, o marxismo privou o homem de um refúgio para onde escapar durante os períodos de tédio ou de zelo decrescente. Esses períodos são inevitáveis, uma vez que poucos indivíduos e talvez nenhuma comunidade possam manter-se indefinidamente em uma condição de extrema exaltação.

Não é assim no marxismo. Os ícones dessa fé representam a sacralidade do trabalho e do trabalhador. O realismo socialista era inteiramente corpo, mas absolutamente não-erótico. O trabalho, não o amor, era glorificado. Tudo isso pode explicar o impressionante fato de que o terror generalizado da Era Stalin (1922-1953) não abalou a crença; pelo contrário, confirmou-a. O assassinato em massa não solapou a convicção na religião secular do marxismo, mas a penúria dos anos de Leonid Brejnev (1964-1982) teve esse efeito.

Em suma, a unificação das hierarquias política, econômica e ideológica em uma única pirâmide burocrática não é desastrosa apenas para a atuação prática, aparentemente também é catastrófica para o espírito social. O marxismo privou o homem do contraste necessário entre o celeste e o terrestre, e da possibilidade de uma fuga para o terrestre, quando o celeste estivesse temporariamente em baixa. O mundo do “Socialismo Real” não suportou o fardo de tanta sacralidade.

 

Adaptado de: GELLNER, Ernest. Condições da Liberdade – a sociedade civil e seus rivais. Tradução de Lucy Magalhães. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1996, p. 33-43.

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